Frei Betto
Adital. Brasil, 22 de outubro.
Não surpreende que a lógica analítica acredite que John Kennedy foi assassinado pela loucura de Lee Oswald; as 168 vítimas da explosão de um prédio em Oklahoma, mortas pelo terror ianque de McVeigh; e os atentados de 11 de setembro fruto da mente insandecida do Osama Bin Laden.
A lógica analítica é tão contraditória quanto a chuva de bombas e alimentos que desaba sobre o Afeganistão. Petardos e pães; morte e vida. Desde as tentações de Jesus no deserto da Judéia, nas proximidades de Jericó, Deus e o diabo não andavam tão próximos.
Nos dois primeiros dias de guerra, os EUA gastaram US$ 22 bilhões em munições. O que equivale ao PIB do Afeganistão. Um míssel Tomahawk custa US$ 1 milhão. Para os jovens soldados, que atiram como confetes o que vale muito mais do que haverão de acumular em todos os anos de trabalho, a morte possui cotação superior à da vida. E o inimigo é virtual, já que não vêem vítimas e alvos atingidos.
No Ocidente, poucos viram as fotos e os vídeos retratando a morte de 150 mil iraquianos atingidos pelos mísseis de 1991. Do ponto de vista psicológico, a síndrome da guerra asséptica induz ex-combatentes a descarregarem seus fuzis na lanchonete da esquina, numa compensação paranóica de quem, enfim, se depara com corpos e sangue!
Do colonialismo renascentista à Guerra Fria, a geopolítica das nações metropolitanas raciocinava em termos de conquistas territoriais. No século XVI, a Península Ibérica apropriou-se das terras descobertas por Colombo e Cabral. No século XIX, os EUA anexaram a seu território metade do México e todo Porto Rico. No século XX, a Rússia enfeixou, na União Soviética, dezenas de países, e o nazifascismo subjugou todo o continente europeu, das fronteiras da Inglaterra às da Rússia, com exceção da Suíça.
Agora, a globocolonização já não raciocina em termos de expansão territorial, mas de controle total através da tecnologia virtual. A psicopolítica sucede a geopolítica, pois importa mais a sujeição de corações e mentes que a anexação de áreas físicas. Os EUA não solicitam à ONU licença para atacar outros países que, supostamente, abrigam terroristas. Apenas comunicam que o fará, relegando a ONU à categoria de um clube de retórica.
A Casa Branca é, hoje, o governo do mundo. Suas decisões independem de leis e aprovações formais. O direito internacional reduz-se à lei do talião que, como constava num cartaz pacifista exibido esses dias pela TV, na guerra de olho por olho todos acabam cegos.
Os terroristas de 11 de setembro entregaram a Tio Sam, com seus vôos camicases, as asas que o império americano precisava para submeter todo o planeta à sua soberana vontade. Quem acredita que a Corte Internacional de Haia haverá de punir eventuais crimes de guerra cometidos pelos EUA no Afeganistão? Ficarão impunes como Robert Hayes, agente terrorista da CIA no Brasil, que em 1976 recebeu instruções para colocar bombas em três alvos paulistanos, de modo a culpar as organizações de esquerda: um teatro, a catedral da Sé e o consulado americano. Essa mesma lógica do terror de Estado fez explodir bombas, no Rio, na Editora Civilização Brasileira, na OAB e no Riocentro. Tudo em nome da democracia e da liberdade. Graças ao heroísmo do capitão Sérgio Macaco, do Parasar, o Gasômetro não foi pelos ares.
Como se explica que, com tanta disposição e recursos para combater o terrorismo, a Máfia e o narcotráfico continuem a atuar nos EUA, a ponto de roubarem sucata dos escombros do WTC? A lógica analítica parece não se dar conta de que a globalização da violência só será vencida pela globalização da solidariedade. Enquanto a humanidade não estabelecer as premissas básicas de uma macroética, capaz de regular a convivência internacional, facões de seqüestradores e falcões da política continuarão a matar a pomba da paz.
Frei Betto é escritor, e co-autor de "O Desafio Ético" (Garamond), entre outros livros.